Este artigo foi publicado originalmente n’O Jornal Económico a 15 de janeiro de 2022. Leia o original aqui.
As cascas de laranja cristalizada voltam à mesa na decoração do bolo rei quase tão vibrantes como quando deixaram o pomar. Na laranja, tudo pode ser reaproveitado, desde a casca ao caroço. O mesmo acontece com a maioria das frutas. O lixo que na economia linear do produz-utiliza-deita fora é produzido em quantidades avassaladoras, torna-se um recurso valioso na economia circular, o novo paradigma de produção e consumo que o mundo tem que construir se quer ser sustentável.
Em Portugal, o conceito ganha tração e a academia contribui para isso, com conhecimento e expertise. “A nossa ideia é tentar ajudar as empresas a valorizar os resíduos, mas sobretudo capacitá-las acerca das potencialidades da Economia Circular”, afirma Eduarda Fernandes, professora da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria, e investigadora do Centro de Investigação Aplicada em Gestão e Economia(CARME), coordenadora do projeto ReinovaSi, ao Jornal Económico. “Com base naquilo que vier dos laboratórios após a análise do resíduo, vamos perceber qual é a melhor solução e, a seguir, ajudar a empresa a perceber se é viável vender esse produto e se sim, qual é o posicionamento que deve ter no mercado”, explica.
ReinovaSi é um projeto europeu, cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional ao abrigo do Programa INTERREG V-A Espanha Portugal, envolvendo instituições com diferentes competências, entre as quais politécnicos, centros de investigação e câmaras de comércio. A saber: Politécnicos de Leiria e Castelo Branco, StartupLeiria, OPEN, CATAA, InovCluster, ADRAL, Câmaras de Comércio de Badajoz e de Valladolid, CTAEX, Vitartis e Itacyl.
Objetivo? Estimular o desenvolvimento de produtos e processos de produção inovadores adaptados aos princípios da economia circular nas Pequenas e Médias Empresas (PME) do sector agroalimentar. “Este projeto e este financiamento permitem que empresas muito pequenas consigam ter acesso a um tipo de apoio que de outra forma seria impossível”, salienta Eduarda Fernandes.
O projeto arrancou no segundo semestre de 2019 e terminará em março de 2022, decorrendo a maior parte durante a pandemia da Covid-19, o que causou alguns constrangimentos dado o elevado número de entidades envolvidas. A fase de diagnóstico incluía visitas às empresas e muitas outras atividades que foram obrigadas a transitar para o digital. A coordenadora assinala igualmente as dificuldades que o processo colocou às empresas, mas sublinha a resistência e empenho de parte a parte.
Na linha de partida alinharam dezenas de empresas, das quais 32 entraram na fase inicial, na sua maior parte unidades de pequena dimensão e micro empresas que desenvolvem atividade em subsetores como a fruta e produtos específicos como licores, coalho, derivados de cereais e aloé vera. À fase final passaram 14, metade das quais originárias das três regiões portuguesas participantes: Leiria, Castelo Branco e Évora. A saber: JDR & Filhos, Frutóbidos, CBS Fruit, Casa Agrícola Francisco Esteves, Gama de Matos, Sereno & Fonseca e AgroFiap. As espanholas são oriundas das regiões de Valladolid e Badajoz.
Eduarda Fernandes conta que o ReinovaSi surge na sequência dos resultados obtidos no projeto Reinova, posto de pé com os mesmos parceiros entre 2017 e 2019 e que produziu 37 produtos inovadores de PMEs agroalimentares.
Numa altura em que já avista a meta, a professora do Centro de Investigação Aplicada em Gestão e Economia do IPLeiria não esconde o seu desejo: “A minha expectativa é de que estas empresas consigam ver no final o valor que é serem mais circulares, que consigam perceber que isto não é só bom para o ambiente, mas é também bom para elas e que daqui por dois ou três anos possam estar no mercado com novos produtos, ou, pelo menos, sendo mais eficientes naquilo que fazem em consequência da sua participação neste projecto”. Esse seria de facto o grande ganho.