Este artigo foi publicado originalmente n’O Jornal Económico a 24 de fevereiro de 2022. Leia o original aqui.
O conflito entre a Ucrânia e a Rússia pode pôr em causa o forte crescimento do mercado russo para as exportadoras de vinho nacional. O sector está apreensivo com a possível retaliação de Putin às sanções da União Europeia.
“Apreensão” e “preocupação”. É assim que as empresas portuguesas que exportam vinho para a Rússia, o principal mercado para muitas, vêm o conflito com a Ucrânia e as consequências que daí podem vir. Nomeadamente a possível resposta russa às sanções já anunciadas por vários países, como um travão à importação de produtos europeus. As exportadoras estão, em alguns casos, a procurar alternativas a um mercado que, garantem, tem estado em forte crescimento.
A escalada da tensão entre a Rússia e a Ucrânia tomou outra proporção depois de o presidente russo, Vladimir Putin, ter reconhecido a independência das províncias separatistas Donetsk e Lugansk, lançando depois um ataque militar a várias cidades ucranianas. A União Europeia, que já tinha anunciado sanções – incluindo o congelamento de bens de bancos privados russos e a limitação do financiamento russo nos mercados europeus – quer medidas ainda mais pesadas. Também os EUA avançaram com sanções económicas, o que levou a Rússia a prometer uma “resposta forte”.
Ainda não se sabe que resposta será esta, e até onde irão as autoridades russas perante a ação dos outros países, mas já se temem os efeitos. “Ainda não vimos o final desta escalada de tensão entre os dois países, nem das sanções e embargos que a Rússia e os países ocidentais irão provavelmente esgrimir entre si, pelo que não é ainda possível ter uma ideia completa sobre o impacto deste problema para as empresas que exportam para a Rússia, e até mesmo para a Ucrânia ou para outros países da região”, começa por dizer Luís Mira ao Jornal Económico (JE).
O setor agroalimentar será afetado no seu conjunto, mas é possível identificar em particular o setor da cortiça como especialmente prejudicado com esta situação, no caso da Ucrânia, e o setor dos vinhos e do alimentar de um modo geral, no caso da Rússia.
Ainda assim, diz o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), prevê-se que o “sector agroalimentar [nacional] seja afetado no seu conjunto”, sendo “possível identificar em particular o sector da cortiça como especialmente prejudicado, no caso da Ucrânia, e o sector dos vinhos e do alimentar, no caso da Rússia”, mais concretamente os exportadores de vinho verde.
Os dados preliminares do INE para 2021 mostram que as exportações de bens nacionais para Moscovo rondaram os 178,4 milhões de euros, o que coloca Portugal como o 13.º maior fornecedor do país. Entre os bens mais vendidos ao mercado russo estão a cortiça, maquinaria, mas também produtos alimentares, como o vinho.
Um mercado em crescimento
“A Rússia não é só o nosso mercado número um, como é o mercado que mais cresce”, afirma ao JE José Oliveira, diretor-geral da Viniverde. “Dos 70% das exportações, a Rússia já deve representar 15% a 20%. Tem muito peso”. Em termos das perspetivas de crescimento, este ano, “e numa situação normal, seria de 30% a 40%”. Com a evolução da crise, é “esperar para ver, com muita ansiedade”, refere.
Esta perspetiva é partilhada por Márcio Ferreira, diretor de exportação da Casa Ermelinda Freitas. “É um mercado muito importante para nós. Exportamos para 40 mercados e a Rússia está no top 10”, diz. Espera igualmente um crescimento de 30% nas vendas para este mercado que representa 5% das exportações da empresa. A Casa Ermelinda Freitas vende vinho de Setúbal para a Rússia, tendo já acordo para o vinho verde.
A Rússia não é só o nosso mercado número um, como é o mercado que mais cresce.
“Estamos muito apreensivos e preocupados. O negócio está a crescer, temos muitas encomendas até ao fim do ano para satisfazer. Não tenho a indicação de que não vão para a frente”, mas é preciso esperar para ver, diz ao JE. Portugal é o 5.º maior exportador de vinho para a Rússia, atrás de França, Itália, Espanha e Chile. “Há várias empresas em Portugal na região dos vinhos verdes que o mercado número um já é a Rússia. Isto terá um impacto gigantesco para Portugal no mundo do vinho”, refere José Oliveira, da Viniverde.
É preciso alternativas
O sector receia que Putin volte a impôr um embargo alimentar, como aconteceu após a anexação da Crimeia em 2014, que atingiu bens como frutas, carnes e laticínios, deixando o vinho de fora. “Já existe esse precedente por parte da Rússia que afetou o sector agroalimentar e é expectável que algum tipo de sanção económica por parte desse país possa ser anunciado, à medida que os países europeus e ocidentais forem anunciando as suas próprias sanções”, diz Luís Mira, da CAP, reconhecendo que se o vinho for incluído, o “impacto será obviamente negativo”.
É preciso perceber que “enquanto para determinadas empresas a quota de exportação para a Rússia poderá não ser muito significativa no conjunto dos seus negócios, para outras a situação poderá ser dramática”, alerta.
Estamos a tentar encontrar outras alternativas, nomeadamente nos EUA, para nos precavermos.
A Viniverde já está à procura de mercados alternativos para exportar. “Estamos a tentar encontrar outras alternativas, nomeadamente nos EUA, para nos precavermos”, diz José Oliveira, salientando que, além da Rússia, também a Ucrânia é um mercado relevante para a produtora de vinhos que entrou igualmente na Bielorrússia. “A Ucrânia é um mercado que começámos a trabalhar há dois anos e que começa a ganhar peso”.
Apesar de em menor escala face à Rússia, o mercado ucraniano é também relevante para a Casa Ermelinda Freitas, tendo assinado, há alguns dias, um contrato com uma cadeia de 70 lojas. “Agora que estamos a recuperar da Covid-19, vem uma coisa destas. Ninguém aguenta”, lamenta Márcio Ferreira. “Ficámos dois anos sem poder ir aos mercados – íamos sempre duas, três vezes à Rússia – e agora acontece isto. Estamos na expectativa.”